Conto: Radar de porteiro

Conto: Radar de porteiro

Estava observando-a à distância. Marlene. Uma loira pequena, de nariz empinado e voz fina. Sensual e estabanada. Carregava sempre uma bolsa e uma sacola penduradas nos ombros. Pareciam pesar, mas ela se esforçava em transportá-las com elegância quando chegava de manhã ao trabalho. O que estava ali dentro? Eu sabia! As tralhas da academia: tênis, shortinho, um top, a toalha de banho…Ela uma vez já deixara tudo cair na recepção com estardalhaço e falta de discrição.

Marlene devia ter uns 21 anos e fumava. Por isso, estava às 15h33 no jardim daquele prédio comercial. Soltava a fumaça calmamente, isolada dos demais fumantes que também satisfaziam o vício. O celular na mão. Admirava as unhas, pintadas de um vermelho fumegante. Sempre gostava de fumar mais ou menos naquele horário. Como porteiro, eu sabia dos hábitos de muitos dos que estavam ali. No que ela pensava? No trabalho? No cabeleireiro? Eu pensava em tê-la em meus braços, derretendo-se de paixão.  Pensamentos libidinosos não pagam impostos!
Kleber também estava no fumódromo. Um rapaz que trabalhava num decadente escritório localizado no 10º andar, que se achava muito macho e forte, só por causa dos braços tatuados e porque ralava quatro vezes por semana na academia. Sem dinheiro e com dívidas, entretanto. Ontem, eu o ouvira falar ao telefone sobre o quanto o caixa estava zerado, antes de entrar no elevador. Os planos para o feriadão seriam mudados por causa da falta de grana. Muitos músculos e pouco dinheiro. Esta era a conclusão do meu radar de porteiro.

Observador (ou fofoqueiro), vi quando Kleber se aproximou de Marlene, como se fosse um galo de peito estufado, querendo impressionar. Na desculpa clássica de abordagem dos galãs, pediu o isqueiro para a loirinha e puxou conversa.

– Obrigado! Sou um esquecido. Como posso querer fumar sem ter como acender o meu cigarro?

Marlene esboçou uma resposta, mas foi interrompida pelos latidos de três cães que invadiram o jardim e correram em sua direção. Susto e medo. Ela saiu em disparada, na direção da entrada e, para surpresa geral, bateu a cabeça ruidosamente na porta.

Solícito, sai da recepção preocupado com o indesejável acidente àquela hora, abalado pela cena e pela hipótese dela desmaiar. Os cães foram expulsos pelo segurança, mas Marlene estava sentada no chão, meio tonta, sem saber o caminho a tomar. O galo já cantava em sua testa e despontava vermelho. Senti o cheiro do seu perfume adocicado quando me aproximei. Foi então que Kleber veio como um salvador do universo e a pegou prontamente (e sem esforço, diga-se de passagem)  no colo.

– Olá benzinho! Você está bem? –  disse o rapaz.

Senti-me um fracote e desprezei a mim mesmo pelos braços finos e pela tendinite. Ela em apuros e eu deixei passar a oportunidade de ser um príncipe encantado que leva a mocinha nos braços. Encolhi-me de vergonha, enquanto o outro parecia um gigante, o Super-homem da Zona Sul. O que o meu radar de porteiro dizia? Não tinha chance com Marlene!

Kleber a colocara na poltrona da portaria. Alguém lhe trouxe um copo com água fresca. Um cenário marcado pela confusão e preocupação. Um suspiro exasperado saiu da boca da moçoila e um certo mau humor tomava conta de seu semblante. Via-se que estava chateada e envergonhada pelo incidente.

O rapaz parecia mesmo preocupado com a situação. Mas, por que resolvera pegá-la no colo? – pensava a moça. Como um tigre que se solta da jaula, Marlene abriu os olhos depressa, pulou do assento, cambaleou e deixou a ingratidão dar o tom da cena.

“Desculpe. Estou bem. Estou bem. Preciso voltar. Preciso subir. Onde está meu celular?” Falava e andava, enquanto tentava ficar longe dos curiosos de plantão. Kleber ganhou uma pisada doida no pé, o único agradecimento recebido pelo seu gesto com traços de herói. Desprezado pela loirinha ingrata, voltou ao seu cigarro no jardim e lançou um olhar para uma morena gostosa do 8º andar. Precisava de um outro isqueiro…A fila anda e os planos mudam!        

Percebi uma nova brecha para impressioná-la e corri para pegar o celular que estava largado no chão. Cheguei todo prestativo perto de Marlene, que lançou-me um sorriso amarelo e pediu: “Pode chamar o elevador, por favor?”

Mesmo com os sinais de fuga, aproximei-me e arrisquei. Estendi a mão suarenta e toquei o galo na testa da loirinha, com se fosse um leve carinho “Lembre-se de colocar uma pedra de gelo assim que voltar ao escritório, meu anjo”. Anjo? Onde estava com a cabeça? Meu radar já disparava. Tinha passado dos limites e o pior parecia um velho antiquado. A resposta veio cortante: “Pode deixar, tio”. Tio? Eu tinha só 36 anos, não era careca, tinha dentes bem cuidados, 1,76m de altura e em forma, apesar da barriga levemente saliente. Que desaforo! Meu radar assinalava: perdeu playboy! Hora de direcionar meu olhar para outra direção. Que tal a Sonia, do 9º andar? Ou a Tania da padaria? Vou recalibrar as coordenadas! 

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